Parte 3
O DOUTOR DEUS.
- Boa tarde
Lola, como você está?
E tem como estar ruim com essa visão do
paraíso? Sério, meu psicólogo era um Deus em forma de gente!
- Estou bem.
Na verdade não sei nem porque eu estou aqui. Olha só minha cara de feliz! –
Abri um sorriso irônico e ele sorriu também. - O que eu tenho doutor? É grave?
Vou precisar colocar a camisa de força?
- Me diz
você. Porque te mandaram aqui?
Respirei
fundo.
- Meus pais
acham que eu surtei desde que meu namorado morreu.
Ele me olhou
como se eu acabasse de dizer algo muito fácil.
- O que foi?
- Fala como
se fosse a coisa mais natural do mundo.
- E não é?
Todos morrerão um dia.
- Com toda
certeza. E como isso te afeta?
- Eu não
estou entendo sua pergunta doutor. Isso aqui virou uma entrevista?
- Lola, eu
entendo o que está tentando fazer, mas uma hora terá que deixar isso tudo sair
de dentro de você.
- De
verdade, não sei do que está falando.
Ele me olhou
torto e anotou alguma coisa na prancheta velha dele.
- Lola, me
diga a primeira coisa que vier a sua cabeça.
Eu ri.
- Desculpa. Como?
- Isso mesmo
que você ouviu. Me diga a primeira palavra que vier a sua cabeça, sem pensar.
Pode ser o que estiver sentindo ou algo que tenha vontade.
- Doutor
como isso vai me ajudar?
- Você é desconfiada
demais. Não me veja como seu doutor, me veja como seu amigo.
- Desculpa
senhor...
- Mendes,
Charlie Mendes. Mas pode me chamar de Charlie.
- Olha, isso
aqui não vai rolar. Desculpa.
Ele olhou
para meu braço enfaixado.
- O que
houve com o seu braço?
- Eu me
cortei com um caco de vidro.
- Algo se
quebrou?
- Não
doutor, eu me cortei. Me cortei de propósito.
Ele anotou.
- Por que
fez isso?
Eu não
consegui responder. Respirei fundo antes que as lágrimas caíssem. Me levantei.
- É melhor
eu ir. – E saí pela porta sem ouvir o que o Deus diria.
Entrei no
primeiro banheiro à minha frente, olhei para o espelho e a imagem de uma garota
desleixada, de cabelos ruivos mal presos e olheiras profundas surgiu na minha frente.
Dei um murro no espelho para aliviar aquela angústia. Quando saí, um garoto
alto e branco como leite, de tênis surrados e camiseta verde musgo apareceu em
minha frente. Só podia ser ele mesmo, Will. O meu vizinho irritante.
-
Esquentadinha! Você por aqui. Finalmente resolveu se internar?
- Se um dia
eu me internar, a culpa vai ser sua.
- Hey! Calma
aí okay? Você não é a única com problemas aqui.
- Você não
sabe o que é ter um problema. Sua vida é perfeita. Você tem tudo e todos que
ama. Então não me peça pra ter calma. Até mais Will.
Saí, e fui andando para casa. Estava sem
paciência até para esperar o ônibus.
Cheguei em casa e subi as escadas sem olhar
para os lados. Papai e mamãe provavelmente estavam sentados no sofá assistindo
suas séries e Rebecca minha irmã mais nova, certamente não me viu chegar por
estar ocupada demais pintando suas unhas. Bati a porta do quarto e então
perceberam minha presença. Me joguei em minha cama e parecia que eu iria
afundar e atravessá-la a qualquer momento com meu peso.
Olhei para o nada por um tempo, imaginando
como seria se eu fosse completamente invisível. Em cima de uma mesinha de canto
ao lado da minha cama, um caderno velho adormecia. Meu diário que apodrecia com
minhas palavras vazias. Era uma das únicas coisas que me faziam bem naquele
momento. Como de costume, o peguei e comecei a escrever para algum ninguém.
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