quinta-feira, 20 de março de 2014

Memórias



Muitas vezes nos perguntamos de onde viemos. Quem nunca pegou um álbum antigo de família e começou a folhear relembrando os velhos tempos? As fotos de quando era criança, aquele almoço de domingo na casa da avó, as idas ao cinema com os amigos no colegial, o primeiro beijo.
  O fato é que as lembranças sempre estarão marcadas de alguma forma em nossas historias. Essas que muitas vezes se cruzam em algum momento da vida, entrelaçando destinos e criando alianças. As pessoas sempre estarão por aí esperando para fazerem parte de uma dessas histórias. Todos nós queremos ser importantes em algo, ou para alguém.
  Algumas dessas pessoas entram em nossas vidas para não sair. Surgem de repente, te viram do avesso e marcam suas memórias. Você já parou para se perguntar quando foi a ultima vez que você falou com aquele amigo do colégio? Ainda sabe qual a sua melhor lembrança com aquele seu avô favorito? E o que você anda fazendo para manter esses “flash backs” vivos em sua mente?
   De onde viemos? Viemos do passado. Da primeira vez em que se pisou num palco ou encarou um público, do primeiro poema que escreveu, a primeira vez dormindo fora  casa, o primeiro sonho, aquele de quando criança em que você queria ser médico, professor ou até um músico de sucesso!
  Viemos das lembranças de nossos pais quando planejavam uma família, ou até os que não planejavam, mas que guardaram em suas mentes o quão maravilhoso era permitir que mais uma vida viesse ao mundo.
  Minhas melhores lembranças são as minhas irmãs e a primeira vez em que cantei em público, ali eu tive a certeza do que queria fazer da minha vida. Desde pequena cantando com a escova de cabelo imitando famosos na frente do espelho.
  Nós viemos do passado. E o passado é a base para escolhermos como seguiremos no presente para que o futuro chegue, bem como o planejado, ou não, mas que ele chegue. Então agradeça pelo seu passado, por mais constrangedor, doloroso, estranho (tenho certeza que também houve muita coisa boa que vale a pena guardar) que possa ter sido o seu ou o de qualquer outro, pelo menos ele existe, e se existe significa que você está vivo, seja literalmente ou apenas nas memórias de um diário ou de alguém.
  Talvez seja hora de pegar aquele diário escondido de baixo da cama, colocar aquela sua música favorita de uns 5 anos atrás pra tocar, e compartilhar com alguém, ou que tal mandar uma carta para aquela sua amiga que mora longe, carta sim! Fazer uma surpresa, ao invés do comum email ou mensagem no facebook.
   Aquela velha história de “Bons tempos não voltam mais” é bobagem! Eles nunca foram embora para começo de conversa. Pois os carregamos conosco o tempo todo, e quando chegar a hora de deixarmos esse planeta, esses “bons tempos” estão nas memórias de quem também fizeram parte deles e que passarão esse legado de geração a geração. As pessoas não mudam. Elas evoluem. E essa é mais uma das funções que a lembrança tem. Mostrar o quanto podemos evoluir e a que devemos dar valor.
    O passado é a única certeza de que algo ou alguém existiu. E então, qual é sua melhor memória? 

Leka Ribeiro

sexta-feira, 14 de março de 2014

Me rendo

Me rendo.

Ela sentou em baixo da árvore, encostou sua cabeça nos ombros dele, levemente foi se aconchegando.
O céu e as nuvens eram testemunhas daquela estranha, porém bonita amizade que ali crescia.
Me rendo.
Ja era tarde, e mesmo assim o dia parecia estar apenas começando.

- Não quero ir. - Ela disse.

- Você não precisa ir. - respondeu ele - Um dia todo mundo vai. Mas não significa que você tenha que ir.

- Mas se todo mundo..

- Todo mundo, desse mundo. Anjos não morrem. - interrompeu ele.

Havia lágrimas em seus olhos, mas também havia um sorriso em seu rosto branco que aos poucos se tornava rosado pela timidez. Ele sabia que a hora chegaria, mas esperava que não fosse tão rápido. Esperava que mesmo depois que ela o deixasse na Terra, estaria ao seu lado o tempo todo. Ele esperava.

Me rendo.

A noite estava brilhante.
As estrelas enfeitavam o céu negro como cascatas de purpurina. O problema no coração se tornava microscópico diante da imensidão criada por Deus.

- Seu problema é tão minúsculo diante d'Ele, que Deus precisa de uma lupa para te curar. E ele vai! Você vai ver! - Ele disse

- Meu coração já está alegre o suficiente. Você pode parar, antes que eu exploda por favor?! - Ela sorriu

- Ainda não! Falta um coisa.

Ele foi se aproximando do seu rosto frio, a acariciou com as pontas dos dedos, tirou seus cabelos negros do rosto, e com um toque suave, beijou seus lábios rosados. O primeiro e talvez o último dos beijos que fizeram o tempo no mundo parar.

"Prometa que não vamos nos apaixonar" ( ele disse há um mes atrás)

- Mas você disse que...

- Eu sei o que eu disse. Me rendo. - confessou ele

- Eu vou morrer. - ela choramingou

- Não, apenas seu corpo vai. Mas você vai estar aqui, sempre, sempre. - ele disse apontando para o coração e com lágrimas que não paravam de cair.

Eles ficaram ali, debaixo da árvore, sobre o céu infinito. Envolvidos num abraço sereno, amável.

Me rendo.

Uma vez disseram que não se pode evitar a morte. Mas podemos talvez enganá-la. Um doador apareceu sabe-se lá de onde, sabe-se lá quem. Mas agora ela estava ali, viva, e podia viver mais e mais, por anos e anos..

Seu coração novo batia, batia forte, e apaixonado. Mas onde estava seu amor?
No jornal uma notícia a fez entender, mesmo que não quisesse, tudo.

"Jovem morre em acidente, ao voltar para casa"

Em um soluço, ela aperta forte as mãos.

- Anjos não morrem.

Leka Ribeiro